
“Para a pessoa pobre, o absorvente é o pão que não compra, o leite que falta”
Confira como foi o lançamento do documentário Livre para Menstruar e a roda de conversa sobre meninas na política e dignidade menstrual no Brasil
Por Amanda Stabile
30|05|2025
Alterado em 30|05|2025
O lançamento do documentário Livre para Menstruar, no dia 26 de maio, no Cineclube Cortina, em São Paulo (SP), foi marcado por uma mesa de debate potente, sensível e política. Com o tema “Meninas na Política e Dignidade Menstrual no Brasil”, o encontro reuniu mulheres que atuam na linha de frente da luta por justiça menstrual e equidade de gênero.
A mediação foi feita por Jéssica Moreira, jornalista, escritora e cofundadora do Nós, Mulheres da Periferia. “A dignidade menstrual de todas as pessoas que menstruam ainda é um grande desafio no mundo. Muitas meninas, como vimos no filme, deixam de ir à escola, têm seu direito à educação comprometido por não terem, por exemplo, banheiro em casa — entre tantos outros obstáculos”, pontuou.
Em frente à tela que exibiu o curta-metragem, estavam as jovens lideranças Rebeca Souza e Isa Cavalcante, e a médica ginecologista Albertina Duarte Takiuti. As falas foram atravessadas por experiências pessoais, dados alarmantes e propostas concretas sobre como garantir o acesso à dignidade menstrual, especialmente para meninas em situação de vulnerabilidade.
Rebeca Souza, de 22 anos, é de Aracaju (SE). Foi candidata a vereadora em 2024, é porta-voz e vice-presidente da Rede Sustentabilidade. Ela ressaltou a importância de que meninas ocupem espaços institucionais: “Se hoje tem absorvente nas escolas, é porque uma mulher propôs essa ideia”, afirmou.
Promulgada em 6 de outubro de 2021, a Lei nº 14.214/2021 institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual. Proposta pela deputada federal Marília Arraes (PT-PE), a norma determina que estudantes dos ensinos fundamental e médio, mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias recebam, de forma gratuita, absorventes para higiene pessoal.
Para ela, o direito de menstruar com dignidade está diretamente ligado ao direito de existir e de ocupar espaços de poder:
Acredito no poder de sonhar, de fazer política com e para meninas. Porque nós, mulheres, estudamos, nos dedicamos, e somos plenamente capazes.
Isa Cavalcante, de 23 anos, fundadora do Girl Up Caiçara e ativista da educação menstrual na Baixada Santista, destacou os desafios de dialogar sobre o tema com quem enfrenta a fome e a exclusão. “Quando fomos apresentar projetos de lei, principalmente em periferias, a resposta foi dura: ‘Tem mulher morrendo do meu lado e você tá falando de absorvente?’. Porque a violência é cotidiana. É estrutural. É múltipla”, pontuou.
“Mas eu acredito que a pobreza menstrual é uma violência também. Física, institucional, silenciosa. E se a gente nunca fala sobre isso, como é que essas pessoas vão reconhecer? Falar com afeto e responsabilidade, é essencial. Porque senão, a gente só joga mais um peso em cima da mulher. E não é isso. A ideia é: vamos mudar junto?”.
Dra. Albertina Duarte é referência nacional em saúde de adolescentes, integrante do ambulatório de ginecologia da adolescência do Hospital das Clínicas, e foi indicada ao prêmio Mil Mulheres para o Nobel da Paz em 2005. Com décadas de atuação no Sistema Único de Saúde, trouxe relatos contundentes do que testemunhou ao longo da carreira.
Já tirei da vagina de meninas pano, folha de limão, papel higiênico, copo plástico, até vidro! Porque não tinham nada. É inacreditável.
Ela defendeu a institucionalização de rodas de conversa sobre menstruação nas escolas e unidades de saúde, como estratégia de acolhimento e informação. “Dignidade menstrual é sobre saúde. É sobre não envergonhar meninas por algo natural. A menstruação não pode continuar sendo um tabu, um trauma”, afirmou.
A médica também alertou que a pobreza menstrual leva à infecção, esterilidade e traumas. “Me recuso a aceitar que absorvente é caro. O SUS paga medicamentos caríssimos — como o absorvente ainda é visto como supérfluo?”.
Para a pessoa pobre, o absorvente é o pão que não compra, o leite que falta.
O evento integrou a programação de estreia do documentário Livre para Menstruar, produzido pela Girl Up Brasil, que também organizou ações em diversas regiões do país — de Macapá (AP) a Limeira (SP), de Cachoeirinha (RS) a Juiz de Fora (MG). Com exibições, rodas de conversa e oficinas lideradas por clubes locais do Girl Up, a campanha amplia o debate sobre pobreza menstrual e reforça o protagonismo das juventudes periféricas e indígenas na construção de políticas públicas.
Assista ao documentário: